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08/11/2010

Pneus podem virar casas

Técnica de reutilização de materiais constrói casas mais baratas, seguras e ecologicamente corretas. Elas usam material que iria para o lixo, como pneus velhos.
De uns anos para cá, o mundo ganhou uma consciência ambiental nunca vista. Reciclar, reutilizar e reaproveitar são conceitos fundamentais, mas nem sempre é fácil. Esse é o tema da coluna de ciência e tecnologia do Bom Dia, "Você não sabia, mas já existe".

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Nesta quarta-feira (31), a coluna trata do desperdício, ou melhor, como reaproveitar materiais e economizar. O repórter Márcio Gomes está em um canteiro de obras no Rio de Janeiro, para ambientar a reportagem gravada no interior de Goiás. Lá ele conheceu uma técnica de reulização de materiais na construção de casas, mais baratas, seguras e ecologicamente corretas. São casas que usam material que iria para o lixo, como pneus velhos.

Recauchutadora que se preza é assim. Parece um mar de borracha preta. Tem moto, trator e até avião. Em uma delas, 300 pneus são reformados por mês. Mas a grande diferença é que, quando o reaproveitamento é impossível, o destino do pneu não é o de costume.

“Esse tipo de material sempre vai para o lixão, e isso começou a me incomodar. Todo final de semana ia uma caminhoneta de pneu velho para o lixão", conta o empresário José Neto de Medeiros.

Assim, o Brasil construiu um desafio ambiental. O que fazer com os cerca de 40 milhões de pneus que são abandonados todo ano? Há experiências bem sucedidas, como a transformação da borracha em asfalto, mas ainda é pouco.

Por isso, o Bom Dia foi até Goiatuba, cidade a 170 quilômetros de Goiânia, para ver de perto um projeto que parece mentira.

"Aqui não se desperdiça nada”, diz José Neto. Realmente, para onde se olha, tem um pedacinho ou um pedação de borracha. José Neto mostra uma caixa d’água formada por seis pneus de colheitadeira que acumulam sete mil litros de água.

O trabalho começou em 2003, e agora ele crê que atingiu o máximo da possibilidade de reaproveitamento: a construção de casas.

Tudo começa na separação da borracha e do aço do pneu, partes importantes para montar o alicerce, o início de qualquer projeto.

Pneus de trator e de caminhonete foram fixados ao solo com uma estrutura de aço. Tiras de borracha foram enroladas, formando bobinas. Elas enchem toda a base, junto com treliças de ferro.

Que ninguém se assuste, mas para preencher os espaços vazios é usada uma mistura de cimento e lixo. Tem vidro, plástico, papelão e entulho de obra, que normalmente também termina nos lixões.

“O entulho de construção moído já tem areia, brita, cascalho e tem argamassa. Então, aqui foi desenvolvida a forma que funde ela de uma vez, acrescentando uma quantidade de cimento”, explica José Neto. “E onde está a economia? Em vez de você comprar areia, cascalho, brita, isso tudo, você já está utilizando do lixo que é jogado fora”.

Em uma betoneira, todo material vira uma massa ecologicamente correta, que é moldada em formas de metal. Pilares de mais de três metros de altura foram erguidos, vários alicerces montados.

Mas José Neto não queria apenas o alicerce ou mesmo algumas pilastras da casa feitas de lixo e pneu velho, ele queria mais. Por isso, ele decidiu construir, e está quase pronto, um hotel, todo feito de material reciclado. “O nome vai ser “Pneus Hotel: isso é ecologia”, aposta.

Serão 28 quartos. Tudo o que se vê é material reaproveitado. “Esse teto aqui foi um forro que eu fiz. Dentro do pneu, foi colocado sucata de isopor, garrafa PET. Para eu fazer o travamento, utilizamos corrente de moto”, conta.

Mas será que é realmente seguro um teto ser feito com material que ia ser jogado no lixo? “Com certeza é seguro, porque a corrente de moto tem uma resistência louca. E do jeito que foi feito o travamento entre um pneu e o outro, com a corrente e depois vindo a camada de concreto por cima, não tem como desabar”, ressalta José Neto.

Tanta confiança também tem um fundo científico. Desde maio, o laboratório da Pontifícia Universidade Católica de Goiás está avaliando o que foi criado em Goiatuba.

“As pessoas chegam aqui no seu laboratório e estranham materiais diferentes em uma construção. No início, a gente assusta um pouco, porque é um produto totalmente diferente, mas depois você vai estudando e vê que é viável utilizar esse material na construção civil”, afirma o pesquisador de materiais de construção José Dafico Alves.

Acompanhamos um teste da mistura ecológica, um pilar feito com mistura de lixo, entulho, pedaços de borracha. Em poderosas prensas, a peça precisa resistir como se estivesse em uma construção real. A pressão cresce rapidamente. Quando alcança quase sete toneladas, a resistência é comparável a do concreto tradicional. E tem com uma vantagem.

“A casa construída com esse material reciclado Fica mais barata pelos cálculos que já foi feito. Ela é 40% mais barata do que uma casa convencional", diz José Dafico Alves.

E pensar que um projeto como esse nasceu da cabeça de um homem que estudou até a 5ª série. Zé Neto não tem vergonha da origem humilde ou do pouco estudo. O que ele não perdoa é a desconfiança.

"Tem dia que, para falar a verdade, eu senti que eu ia bater o escanteio, correr para cabecear para tentar fazer o gol. A realidade é essa. Eu estava jogando sozinho", comenta o empresário. "Quando o nosso pessoal descobrir o valor que tem esse tipo de lixo, pode ter certeza que muitos vão querer ter a sua moradia em cima desse tipo de lixo. Lixo que eu falo entre aspas, porque pra mim virou um excelente negócio".

 Em uma pequena laje de 80 metros quadrados, são utilizados até 600 pneus, com essa técnica de Goiatuba. Além disso, o empresário José Neto faz questão de frisar que todos os pneus que estão aguardando a hora de serem reutilizados, seja para a recauchutagem ou para a utilização na construção de casas, recebem um tratamento contra a dengue para evitar a proliferação do mosquito.

Já foram feitos testes de acústica e de calor. Eles ainda estão sendo avaliados, mas tudo indica que a casa também é muito confortável para quem vai morar nela. E isso é muito importante, porque a Construção Civil sempre teve a fama de gastar e desperdiçar muito material, energia, água e areia. Mas de alguns anos para cá, a isso mudou bastante.

“Foram tomadas três ações fundamentais para a redução do desperdício. Primeiro, a formação de mão de obra, através do serviço nacional de aprendizagem industrial em todo país, com foco principalmente nas mulheres que atuam na construção. Segundo, é a adoção da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para ordenar o recolhimento dos resíduos, principalmente os que vão ser reciclados. Terceiro, é a adoção de inovações tecnológicas visando reduzir a construção artesanal”, afirma o presidente da sindicato do Indústria da Construção Civil do Rio de Janeiro (Sinduscon-RJ), Roberto Kaufman.

Ainda segundo o representante do Sinduscon, as mulheres são mais cuidadosas. “Em certos serviços, elas são fundamentais como limpeza, arremate e revestimento. Com isso, dão um foco muito melhor e ajudam na organização do próprio canteiro”, afirma.

Durante a reportagem, o repórter Márcio Gomes utilizou uma camisa feita de garrafa PET. Ela é toda moída e vira fibra para tecido. O sapato é feito de couro vegetal e de lona de caminhão.

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